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O Real e o Imaginário: Memória e Identidade no Figurado de Barcelos
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“Qualquer que seja o seu suporte histórico, a cultura de um povo é sempre, em diversos graus, a superação ao mesmo tempo efectiva e simbólica da sua particularidade”. Eduardo Lourenço – Nós e a Europa ou as Duas Razões, 1994
O Figurado é a designação do produto do trabalho efetuado pelos artesãos barristas que se dedicam a modelar peças à mão, as quais na sua essência representam a realidade ou o imaginário das sua vidas quotidianas.
Os especialistas distinguem dois tipos de Figurado: sortido e estatuária. Figurado Estatuária (ou simplesmente Figurado) é a designação dada às peças de estatuária de expressão popular produzidas quase integralmente à mão. Figurado sortido diz respeito às pequenas peças feitas em grandes quantidades com recurso a moldes.
Não é possível datar o início da produção do figurado sortido, mas sabe-se que em Barcelos era muito abundante entre o início e meados do século XX.As peças possuíam uma característica muito marcante: quase todos os pequenos objetos tinham um assobio, sendo vendidos nos mercados e feiras como brinquedos, objetos de recreação.
O Figurado Estatuária (a partir de agora usar-se-á apenas a designação Figurado) remontará, pelo menos, aos finais do século XVI, havendo notas de que o Frei Bartolomeu dos Mártires se terá referido a bonecos de barro, durante o concílio de Trento, tese que Lapa Carneiro questiona.
No seu ofício, de mãos ágeis, os barristas (e)laboram a reinvenção dos utensílios do quotidiano em brinquedos ingénuos e figuras candidamente maliciosas. Mas o Figurado é também essa outra “arte” de dimensão simbólica que exorciza mitos, lendas e medos, e eleva o artesanato em barro a uma dimensão bipolar que vagueia entre o “divino” e o “demoníaco”.
Personagem dessa tensão entre o profano e o sagrado, Rosa Ramalho, que um dia “encontrou-se com os monstros da mitologia popular”, é a artesã mais carismática da região oleira de Barcelos. Até meados do século XX, o Figurado era visto como uma arte menor. Mas com Ramalho, a peça/brinquedo deu lugar ao objeto de culto das elites citadinas.
E se Rosa – nossa e do mundo – é símbolo da capacidade criadora de um povo, o Galo de Barcelos é ícone de uma certa portugalidade. De pequenino com assobio (até à 1ª metade do século XX), a grande, colorido, altaneiro e vaidoso, feito à mão ou com a ajuda da roda de oleiro, o Galo corre mundo e eleva o nome de Barcelos e de Portugal. Este ofício de vergar e modelar o barro à (des)medida imaginação dos barristas remonta tão longe como a profundidade das crateras esventradas na terra de onde os barreiristas extraem a sua matéria prima.